segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Mirror's Edge Catalyst - Um bom jogo destruído pelo mainstream gaming

Mirror's Edge, apesar de seus defeitos, deixou sua marca na geração passada com sua originalidade. Quase uma década depois, uma nova entrada na franquia  chega ao mercado: Mirror's Edge Catalyst.



Análise do jogo:
Mirror's Edge Catalyst (2016)

Em 2008, Mirror's Edge foi um jogo que nadava contra uma torrente de jogos de tiro que então dominavam o mercado.

Eu joguei muitas e muitas horas. Treinei muito para completar as fases no menor tempo possível.

Chegou ao ponto de eu me interessar em praticar o esporte na vida real. O que acabou não acontecendo, pois não achei  que seria uma boa ideia quando lembrei que eu quebrei o braço pulando a janela quando eu tinha 12 anos.


Mirror's Edge não foi recebido, mas a comunidade gamer reconheceu que o jogo tinha potencial e acumulou uma pequena base de fãs que se especializava no jogo tentando correr os mapas no menor tempo possível.


O mundo gamer simplesmente não estava preparado para um Sonic em primeira pessoa ambientado numa cidade distópico-futurística.

Quase 10 anos depois, Dice lança um reboot do jogo, Mirror's Edge Catalyst declarando que dessa vez conseguiram atingir a visão que intencionavam com o jogo original.


Mas infelizmente, ao tentar agradar o grande público, desapontou os fãs do original sem conseguir expandir para o público mainstream. A equipe por trás do jogo entendeu errado o que podiam aproveitar do original e entendeu errado o que o público quer. A começar pela personagem.

A personagem

A empresa que fez o jogo não agradou gregos nem troianos quando tentou recriar o jogo como um "épico mainstream", pois fez o jogo perder a sua identidade. A começar pela personagem principal, sobre a qual um dos desenvolvedores declarou:


"Faith não era uma personagem tão real quanto queríamos. Ela era puro estilo. Agora ela é real, o que para nós, é uma grande mudança."
Aparentemente, para o pessoal que escreveu o reboot, uma personagem "real" significa limitar-se ao clichê da "heroína fodona" e aos tropos de "juventude arrogante". A Faith Connors do novo Mirror's Edge é uma jovem mulher ignorante em tecnologia e cabeça dura, enquanto a Faith de 2008 tinha uma calma controlada e sempre sabia o que estava fazendo.

É estranho descrever a nova Faith como uma personagem mais real.  Para mim, ela não é mais interessante ou mais concreta, exceto pelo fato de terem aprofundado mais seu lado emocional (infelizmente, não fizeram um bom trabalho nesse departamento). A Faith mais velha é icônica do mesmo jeito que Donkey Kong é icônico. Ok, essa comparação pode parecer estranha. Mas pense comigo: precisamos saber sobre o seu passado trágico para torná-lo mais "real"?

Saber que a personagem tem uma briga com os pais, é rebelde e tem "atitude" realmente significa que ela é mais "real"?

As decisões ruins se repetem no desenho da personagem: a Faith original vestia uma roupa fundamentada em algo real, mas que ao mesmo tempo dizia um pouco sobre seu mundo ficcional e que combinava muito bem com a estética ascética do jogo. Uma blusa que por acaso era preta e uma calça normal. Essas se contrapõe a um sapato moderno dividido nos pés e luvas que contam uma história: ela é uma corredora e prioriza os seus movimentos. Ela tinha a aparência de alguém que usa as roupas que usa para fazer um trabalho, sem contemplar seus gostos pessoais ou uma moda bizarra da distopia em que vive. 

Era um visual estiloso, mas também muito prático.

Faith papel de parede
Faith original: verossímil e atlética, mesmo assim tem estilo
Em Catalyst, Faith veste um colete preto (porque preto sempre deixa tudo mais maneiro), rasteirinhas de balé e roupas justíssimas. Enfim, ela parece se preparar para participar de um clipe de uma banda de metal comercial.

Faith nova: heroína gamer forçando a barra
O mais legal da Faith original é que ela se afastava das heroínas às quais estávamos acostumados a ver. Era simples e verossímil. O novo desenho é mais carregado: ela veste uma bandoleira cheia de bolsos, suas roupas são coladas no corpo e há linhas nas suas calças e nos sapatos. Fica claro que eles tentaram fazer um exercício de design, buscando deixar sua heroína o mais descolada possível. 

Mas pra mim isso parece deslocado. É um visual demasiado sombrio e carregado que não cabe no espírito de Mirror's Edge.

Quem disse que preto sempre significa fodão?

Isso é tão 2001. Os filmes do X-men dos anos 2000 vestiu todos os personagens de preto, substituindo todos os amarelos, verdes, e qualquer coisa que pareça viva para deixar tudo mais cool. Mas estamos na segunda década do século 21 e a nova trilogia trouxe de volta um pouco de cor ao desenho dos personagens. 


Parece que eles tentaram alcançar uma estética pseudo-cowboy-futurista com sua nova personagem, quando na verdade Mirror's Edge, tendo como um de seus principais triunfos a sua originalidade, deveria se afastar dos clichês como o que eles tentaram fazer, que é aparentemente uma "cowgirl-cyber punk", o que o contrário de original. 

Esse objetivo de deixar tudo mais ostentoso permeia todo o projeto. Até nas fotos promocionais! 

O jogo anterior sempre mostrava sua personagem em movimento, passando uma impressão de cinetismo, de peso, e quando mostra o reflexo da personagem (pouco vemos mais do que as mãos da Faith em jogo), o efeito que eles obtêm é completamente diferente das fotos promocionais mais recentes:


Essa foto promocional é chamada pelos desenvolvedores de "uma tomada mais introspectiva", e transborda personalidade ao contar uma história através de uma imagem. Em comparação, nas fotos promocionais de Catalyst, ela está posando como uma modelo, e o resultado parece algo digno daqueles filmecos do Homem-Aranha.

Faith capa da Vogue
- A jogabilidade

Um dos grandes triunfos do primeiro Mirror's Edge foi a sua jogabilidade em primeira pessoa. 

Quem diria que um jogo de plataforma em primeira pessoa seria uma boa ideia? 


Sempre gosto de comparar Mirror's Edge com os plataformers clássicas como Super Mario World, justamente porque mostra o que Mirror's Edge tem de especial e muitos gamers não percebem: 


Mirror's Edge é um plataformer moderno.


Por mais que os controles do jogo original não fossem tão intuitivos e a curva de aprendizado  fosse muito brusca, não podemos de negar os devidos méritos à jogabilidade do primeiro Mirror's Edge. 


Faze-lo requer muita prática, mas não há nada mais recompensador que fazer uma corrida perfeita.

Um dos motivos pelo qual essa ideia de uma plataforma em primeira pessoa dar certo, foi a "imersão corporal" que conseguiram emular. Faith corre e você conseguir ouvir, ver e sentir o cenário ao seu redor. Você ouve o vento quando corre muito rápido. A camêra balança muito quando você aterrisa. Faith arromba portas e é barulhento, atordoante rápido e pesado. Ela pula cercas e você vê as pernas dela no canto da câmera, ouve o grunhido da protagonista e você realmente sente como se você estivesse pulando uma cerca de dois metros em um segundo.

No jogo mais recente, Faith não tem peso.

Ela corre sem fazer barulhos e não precisa nem estar perto da porta para arromba-la e o faz sem nenhuma sensação de peso. A física do jogo novo quase não existe. É menos recompensante quando não há essa imersão corporal que o jogo anterior atrás fez muito melhor.

Um das grandes críticas do primeiro jogo eram os combates obrigatórios que não combinavam com um jogo em que a prioridade era correr para evitar o combate. As telas de loading no jogo mais recente informam  ao jogador que ele pode  e deve evitar o combate, mas o jogo repete os erros anteriores mais uma vez e nos obriga a lutar em arenas mais de uma vez. Por vezes podemos escapar, mas não fica claro quais são esses momentos. 

Os desenvolvedores estavam cientes desse problema com o combate e tentaram melhorá-lo. E ficou "tão bom" que eles devem ter decidido: 



"Ok. Agora vamos obrigá-los a lutar para vocês verem o quanto melhorou!!!"

Me sentindo que nem esse cara.
- O casamento (ou o divórcio?) do cenário e do gameplay.

As cutscenes interrompem o gameplay o tempo todo. O que é péssimo, porque a história é pouco inspirada e os ângulos e planos usados para transmitir o desenrolar dos diálogos são enfadonhos.

É enfuriante!

Catalyst não percebe que seus melhores momentos, tanto em 2008 como em 2016, são os momentos mais quietos. Os momentos que contam sua história através da arquitetura e através da ação. Mirror's Edge Catalyst tenta contar sua história através de cutscenes tão ruins quanto numerosas e logs de áudio que é uma feature muito bem usada em Bioshock, mas que nunca achei que fosse uma boa ideia.

Outra maneira pela qual o jogo tenta transmitir ao jogador a bagunça que chamam de plot é através do fone de ouvido que Faith usa. Temos que ouvir o tempo todo os personagens explicando sobre a ditadura opressora do Conglomerado, sobre como a sociedade é dividida em loCaste, midCaste e hiCaste e tudo o mais. 

Mas é simplesmente impossível prestar atenção no que eles falam quando você está tentando navegar um labirinto transversal sem cair de 100 metros de altura.

O mais engraçado é que a desgraçada da Faith está correndo já fazem 15 minutos à 50 km por hora e ela responde à esses áudios sem nem demonstrar que está sem folego.

Não, não estou sendo exigente demais. Nesse tipo de jogo, isso demonstra uma falta de comprometimento com os detalhes. É uma gafe horrorosa, na verdade...

Distopia está muito em alta, e o ingrediente essencial de toda distopia  é o governo totalitário. Os desenvolvedores escolheram a maior panela que encontraram e colocaram vários ingredientes sem preparo nenhum: sequestro, lavagem cerebral, força militar privada, uma cidade (a primeira vista) perfeita, desigualdade social, etc. A panela transbordou e o gosto do plot é intragável.

Jogos open-world são a nova tendência do mercado. Quando anunciaram que Mirror's Edge seria mundo aberto, eu fiquei receoso. E infelizmente, minhas preocupações se concretizaram. Tornar o jogo mundo aberto foi conversa de vendedor. E prejudicou bastante o jogo. 

Se compararmos, você prefere o mundo aberto de Far Cry ou o mundo fechado de Uncharted?

Um mundo fechado dá oportunidade aos desenvolvedores de aperfeiçoar cada centímetro do mapa. E era isso que Mirror's Edge precisava.

A jogabilidade de Far Cry, Grand Theft Auto ou Skyrim por exemplo, dependem muito de exploração e das lutas que ocorrem em seus mapas. Já Mirror's Edge, por sua vez, depende completamente de seu cenário. A interação do jogador com os cenários é a essência do jogo. 

Tente pensar em um Mario, ou em um Sonic open-world. 

Não tem como.

Nem os japoneses conseguiriam criar um mundo que faça sentido e que possibilite um bom gameplay.

Isso fica mais evidente, quando vemos em Catalyst, as missões da história leva Faith à cenários um pouco mais controlados. Onde coisas mais grandiosas e cenários mais interessantes aparecem. Ou seja, nem mesmo os desenvolvedores confiavam em sua habilidade de fazer um mundo aberto que seja interessante o tempo todo. 

O melhor jeito de melhorar o jogo de 2008, não era torná-lo open-world, mas torná-lo mais denso e rico. Fazer seções do mapa que sejam bem planejadas e intrincada para time-trials, por exemplo. Chegar no final no menor tempo possível, escolhendo a rota mais rápida de forma instintiva e ao mesmo tempo criativa. 

ME precisa de um cenário cheio de extravagâncias geométricas para Faith macaquear e fazer suas acrobacias. 

Isso não acontece na cidade planejada para Catalyst.


A "Cidade de Vidro"
Eu entendi qual era o objetivo dos desenvolvedores: é possível andar pela cidade improvisando o caminho. Faith consegue dar um golpe em movimento nos inimigos sem precisar parar de correr, e o gancho que serve para a personagem cobrir distâncias longas entre prédios foi, por incrível que pareça, uma ótima adição ao gameplay. O problema é que isso tudo é feito em um nível muito superficial do gameplay. Atravessar a cidade, jogar a campanha e correr as time-trials parecem ser três jogos diferentes.

O mundo aberto estava fadado a dar errado? Acho que não! Um exemplo que os desenvolvedores poderiam ter seguido é o novo Metal Gear. Eles saíram do mundo fechado para um mundo aberto. Poderia ter dado errado, mas cada centímetro do mapa, mesmo sendo aberto, é muito bem planejado e casa perfeitamente com a jogabilidade stealh que era tão forte nos jogos anteriores.


Mirror's Edge Catalyst decepcionou ao nicho de jogadores que faziam speedruns na época do jogo original. As fases da campanha single-player nem ao menos têm cronômetro. Mesmo assim, o jogo brilha em alguns momentos com sua jogabilidade rápida e com seu visual interessante. 



Recomendo que esperem o preço baixar e jogue as missões principais e as corridas espalhadas pelo mapa,  que é onde os maiores êxitos do jogo estão.

Quase 10 anos depois e Mirror's Edge ainda é o jogo superior. Está disponível bem baratinho para PS3 ou na Steam.


Catalyst está disponível para PS4 ou para PC.

Nota:

Obrigado por ler!

Até a próxima!

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